Eram 7.021 pessoas presentes no Minneapolis Auditorium, ginásio do Minneapolis Lakers, em 22 de novembro de 1950. O time era o atual bicampeão da NBA, a liga de basquete norte-americana, e enfrentava o Fort Wayne Pistons, que havia sido o vice-campeão da Conferência Oeste na temporada anterior. Os Pistons abriram um ponto de vantagem e o treinador Murray Mendenhall não teve dúvidas: mandou o seu defensor Ralph Johnson enrolar e segurar a bola pelo máximo de tempo possível.
As regras do basquete eram diferentes e não havia limite no tempo de posse de bola. Então, os Pistons ficaram praticamente o jogo inteiro tocando a bola de um lado para o outro da quadra. A torcida ficou impaciente e até mesmo os árbitros e os jogadores dos Lakers imploraram para que os visitantes tentassem anotar mais pontos. No fim das contas, a estratégia não deu certo. Os Lakers conseguiram fazer 3 x 1 no último quarto e viraram o jogo para 19 x 18, vencendo aquela que foi a partida com menor pontuação na história da NBA. Apesar da derrota, a tática foi considerada revolucionária para uns e terrível para outros: “Jogar dessa forma vai matar a beleza do basquete”, profetizou Johny Kundla, então técnico da equipe de Minneapolis.

Danny Biasone (1909-1992), dono do Syracuse Nationals, foi um dos responsáveis pela regra que mudou a história do basquete
Quatro anos mais tarde, a profecia de Kundla estava cada vez mais perto da realidade. O número de times da NBA havia caído de 17 para nove. Os jogos estavam cada vez mais monótonos e os times mais ofensivos estavam com dificuldades para dar velocidade ao jogo graças ao tempo em que os adversários passavam na defesa. Em uma reunião informal, envolvendo três apaixonados por basquete, surgiu a fórmula que salvaria a NBA do fracasso completo, como conta uma reportagem publicada pela Sports Illustrated, a principal publicação esportiva dos Estados Unidos.
Danny Biasone, dono do Syracuse Nationals (vice-campeão da temporada 1953-1954), Emil Baroni, responsável do Nationals pela análise das estatísticas, e Leo Ferris, o treinador, se reuniram em um boliche que também era de propriedade de Biasone para discutir o assunto. De posse de uma avalanche de dados sobre jogos, eles chegaram a um número mágico. Ao analisar as estatísticas, o trio concluiu que os jogos mais interessantes tinham em média 60 arremessos de cada time – ou seja, 120 arremessos ao longo de 48 minutos de partida. Aí ficou fácil: foi só fazer em um guardanapo a conta de quanto dava 120 dividido por 48 para descobrir que essas partidas tinham uma média de 2,5 arremessos por minuto. Ou um arremesso a cada 24 segundos.
A conclusão óbvia foi a de que, limitando o tempo de posse de bola a 24 segundos por ataque, os times fatalmente arremessariam uma bola a cada 24 segundos e todos os jogos teriam um índice próximo ao que o trio considerava ideal. O número não foi tão bem aceito de cara, pois uma corrente acreditava que os jogadores, sem ter consciência sobre o tempo de que ainda dispunham para concluir as jogadas, poderiam arremessar desesperadamente todas as bolas logo nos primeiros segundos. Foi isso o que aconteceu no primeiro teste da nova regra, em um amistoso promovido por Biasone reunindo jogadores universitários e jogadores do Syracuse Nationals.
A solução foi desenvolver um relógio para ser colocado no topo da cesta, o que ajudou os jogadores a se adaptarem à novidade e fez com que a regra fosse adotada. Mas outras falhas apareceram no caminho: em um jogo do próprio Syracuse Nationals, quando o tempo expirou, uma bola foi arremessada, acertou a tabela e voltou nas mãos de outro jogador do próprio time. A arbitragem não sabia dizer se o lance contava como um arremesso ou se a posse de bola da jogada anterior ainda não havia se encerrado, o que inviabilizaria a continuidade do lance. Uma reunião foi convocada para decidir a questão e concluiu-se que permitir que a bola fosse atirada deliberadamente na tabela para configurar uma nova jogada faria com que alguns times passassem toda a partida fazendo isso.
Consolidada, a regra logo foi aclamada pelo mundo do basquete. Quando foi adotada, na temporada 1954-1955, o recorde histórico de pontuação média por jogo havia sido registrado na temporada 1951-1952 e era de 83,7. Logo no primeiro ano com o shot clock a média foi de 93,1 e subiu progressivamente até chegar aos 118,8 na temporada 1961-1962 – até hoje este é o recorde histórico da NBA. A Federação Internacional de Basquete adotou a regra dois anos depois, em 1956, mas permitindo 30 segundos de posse de bola – apenas em 2000 a regra foi adaptada e se igualou à NBA.
O mesmo aconteceu com a WNBA, a liga feminina norte-americana, que surgiu em 1996 e adotou inicialmente os 30 segundos, reduzindo para 24 em 2006. No basquete universitário, o tempo limite só foi adotado em 1985 e era de 45 segundos, passando para 35 em 1993 e para 30 em 2015. O shot clock é tão importante para a história do basquete que em Syracuse existe um monumento dedicado a ele: trata-se de uma réplica do primeiro relógio usado na NBA.
(Com reportagem de Leonardo Dahi)
Fantástica essa história.Parabéns!
Brilhante reportagem. Completa e suficiente, nada parecido como as reportagens superficiais de hoje em dia. Parabens
Exemplo de como o esporte e suas regras devem se adaptar. Já o futebol continua o mesmo lenga lenga de sempre..
Basquete só é bom nos 2 minutos finais. No resto do jogo é chato bagarai, ponto aqui, ponto lá, ponto aqui, ponto lá.
Gostei da reportagem. Bem explicativa e educativa tb. Parabéns!!
Excelente a explicação! Só acho que 30 segundos seriam o ideal em vez de 24s. Como fez inicialmente a federação internacional e, depois, “aceitou” os 24s. Aliás, faltou somente explicar por que, no basquete universitário, adotam-se 30 em vez de 24s… Qual a razão??? Acho que atrapalha em vez de ajudar. Bom mesmo é quando um mesmo padrão é seguido, quer seja 24 ou 30s. Fica mais fácil avaliar e comparar.
Show a reportagem….parabéns!!!!
Uma reportagem que foge ao habitual da imprensa brasileira, ou seja, finalmente algo com conteúdo interessante. Parabéns ao jornalista.
Muito bom, o mesmo deveria acontecer com o futebol (sem gols) acabem com o impedimento e aumentem o tamanho do gol. O momento maior do futebol é o gol e nada pior do que assistir jogo que termina em 0x0 , com times na retranca. Os níveis do goleiros superam em muito aos seus antecessores.
Esse jornalista Marcelo Duarte apresenta um programa na Band News que eu gosto muito, É Brasil que não acaba mais”, que é nota dez.
sobre a reportagem, muito bem estruturada, parabéns pela iniciativa. Eu que gosto muito de basquete não fazia ideia da origem dessa regra, parabéns!
Aproveitando essa bela reportagem, aqui vai uma sugestão que poderá aumentar o número de torcedores no futebol, mundialmente, levar a linha de impedimento que hoje é o meio do campo para 3/4 do campo, com isso o atacante poderá ficar mais próximo do gol adversário forçando uma maior distribuição dos jogadores dentro do campo.
Passei por isto em 1952…O adversário abriu um ponto e ficou trocando a bola até o fim . Foi falta de experiencia pois poderíamos fazer falta e tentar recuperar a bola . Nosso jogo de estréia no campeonato infantil de Santos
A NBA é um fenômeno, assistir aos jogos ao vivo é fantástico, é um show business, com diversas atrações durante o jogo, alem dos jogos serem espetaculares, muita animação do início ao fim dos jogos, o basquete brasileiro tem muito que o aprender com a NBA, tive o privilégio de assistir a dois jogos do Orlando Magic, sempre quando vou aos Estados Unidos, assistir a algum jogo da NBA faz parte dos planos da viagem, como diz um slogan dos Magic’s, PURE MAGIC.
Algumas regras do futebol também poderiam mudar. Pelo menos acabar com impedimento em cobranças de faltas, que apenas favorecem o infrator. Cobrar o arremesso lateral com os pés também aumentaria as jogadas de ataque.
Belo texto , parabéns ! Agora voçê precisa ensinar o restante da redação do UOL como se faz.
“Uma reunião foi convocada para decidir a questão e concluiu-se que permitir que a bola fosse atirada deliberadamente na tabela para configurar uma nova jogada faria com que alguns times passassem toda a partida fazendo isso”. – mas não explica se manteve a regra como estava ou se alterou alguma coisa.
Bela materia, me esclareceu muitas curiosidades! Parabens!
Até que em fim alguém fez uma reportagem de verdade!
Oxalá tivessemos reportagens assim, sempre.
Não se aguenta mais lava-jato, politica, seca no nordeste….
Como apreciador de basquete e do Guia dos Curiosos, só tenho a enaltecer o trabalho formidável do jornalista Marcelo Duarte !
O maior desafio do game designer é cercar as táticas maliciosas. Este é um exemplo fabuloso de regra que se adapta ao mau uso para eliminá-lo.
Excelente matéria só descordo quando acham que se acabar com impedimento o futebol seria melhor. Pelo contrário, sem o impedimento os times não iriam atacar com tantos jogadores e ficariam os jogadores de defesa na defesa assim como os laterais não subiriam mais pro ataque ficam todos presos na defesa por causa dos ata antes que não estariam mais impedidos. Abs
Parabéns!!! Adoro basquetebol – meu esporte favorito desde os 9 anos de idade – e nunca tinha ouvido a explicação sobre a limitação de tempo de posse de bola, acreditava que dele tinha existido!!! Brilhante reportagem!!! Parabéns!!!